Estudo sobre o Consumo de Álcool no Meio Evangélico – Parte II

Moderação Sem Condenação

Tal visão encontra reflexo na opinião de muitos crentes. Para o fotógrafo e missionário Eduardo Ferreira, 39 anos, de tradição batista (é neto de pastor) e hoje ligado à Igreja Bola de Neve, o episódio bíblico em que Cristo transforma água em vinho é emblemático: “Acho que havia uma lição extra ali”. Recentemente retornado do Havaí (EUA), onde praticava surfe e liderava uma célula de crentes, ele observa que a questão cultural não pode mesmo ser deixada de lado na análise da questão, mas recomenda cuidado. “No exterior, convivi muito com cristãos que consumiam álcool com moderação, da mesma maneira como presenciei pessoas estragando suas vidas com bebida”. Para Duda, como é conhecido, o potencial destrutivo do álcool explica porque mesmo o uso moderado do vinho seja um escândalo para crentes brasileiros. “O choque cultural é real. Lembro-me de ter recebido, na minha célula aqui no Brasil, um casal francês que trouxe uma garrafa de vinho para a Ceia. Houve constrangimento entre os presentes. Eu acho que não faria qualquer diferença, mas, naquele contexto, o incômodo dos irmãos foi, por si só, razão para manter a garrafa fechada.”

“O tema sempre será delicado, e por isso devemos tratá-lo biblicamente, mas nunca na base do ‘pode ou não pode’”, opina, por sua vez, Hernandes Dias Lopes, pastor e escritor de confissão presbiteriana. “Este é um caminho que pode construir uma ética farisaica e uma espiritualidade rasa”. Para Hernandes, há uma dificuldade bíblica de se fazer uma defesa radical pela abstinência, de maneira que a questão deve ser ponderada. Ele lembra que a ética cristã não se baseia somente no direito ou na consciência de cada um, mas no direito do outro e no amor ao próximo. “Dessa maneira, não se pode fechar os olhos para a realidade de tantas tragédias pessoais decorrentes da bebida e das perspectivas da juventude brasileira, que está sendo consumida pelo álcool”.

Hernandes alerta que as igrejas nem precisam olhar para fora para constatar a imprudência no consumo do álcool, mas atentar para a secularização vista nas congregações hoje: “Tenho ido a casamentos de crentes a cujas cerimônias seguem-se festas suntuosas regadas a todo tipo de bebida. O que se passa é que, no fim da festa, até mesmos cristãos são vistos saindo desses repastos com as pernas bambas”. Se beber pouco ou muito é motivo de escândalo para um irmão, acrescenta Hernandes, “então eu devo abster-me de beber”. Princípio, segundo ele, que deve nortear de resto qualquer atitude do crente.

“Pensar que o álcool é intricadamente ruim é atribuir mal a Deus, que o fez”, avalia o pastor episcopal Carlos Moreira, 46 anos, de Recife (PE). “Deus é santo, e em Salmos 104.15 aprendemos que ele fez o vinho, que alegra o coração do homem, assim como o azeite que faz reluzir o seu rosto e o pão, que lhe fortalece”. Defensor da moderação, Moreira conta que certa vez foi flagrado por um membro de sua paróquia enquanto consumia cerveja em um restaurante. “Com tom condenatório, aquela pessoa perguntou-me como eu podia estar bebendo”. A resposta, simples e até bem humorada – “Minha irmã, não quero e nem posso ser melhor do que Jesus” –, sintetiza a preocupação do pastor com o legalismo. “O legalista não está satisfeito com os padrões da justiça de Deus. Ele arrogantemente pensa que pode fazer melhor que o Senhor – legisla ele mesmo, segundo as suas próprias aspirações religiosas. Assim, proíbe o que Deus permite e, como resultado, muitas vezes permite que Deus proíbe.”

Carlos Moreira reconhece a gravidade do problema do alcoolismo e afirma que nenhum cristão, em sã consciência, deve oferecer motivo de tropeço a um irmão sob o jugo desta doença. “Contudo”, pondera, “essa lógica de que devemos eliminar alguma coisa por completo de nossas vidas porque há quem abuse da liberdade de usá-la não me parece uma atitude compatível com a nossa liberdade cristã, e nem com o exercício de maturidade que esta envolve”. O pastor lembra que o reformador Martinho Lutero resumiu esta perversão que força uma religiosidade vazia com um comentário provocativo: “Ora, os homens são levados ao erro por conta de mulheres e bebidas. Deveríamos nós abolir as mulheres?”, cita. Para Moreira, a ética cristã não possibilita que se traga escândalo ao irmão, o que é um conceito aplicável a situações específicas – “Caso de um crente novo na fé, por exemplo” –, não uma regra geral: “Considere o caso de Jesus, nosso padrão de santidade perfeita, que consumia vinho com os seus apóstolos com regularidade e sem fazer nenhum segredo disso”. A quem estranhar tal afirmação, o pastor explica que a própria Bíblia registra que o Filho de Deus foi caluniado pelos fariseus por não seguir o seu rigor ascético, entre outros aspectos, por se dar ao excesso de bebida e comida. “Não me parece que Jesus se importasse em escandalizar fariseus”, conclui.

Estudo sobre o Consumo de Álcool no Meio Evangélico

A Paz Queridos,

Noite passada, por misericórdia divina, pudemos participar da Santa Ceia, culto abençoado. Voltamos para nossos lares e para os nossos compromissos cotidianos, fortalecidos e renovados pela presença de Deus. É claro que nosso desejo é o de continuarmos cada vez mais firmes neste caminho, fazendo com que nossas ações nesse mundo sejam agradáveis a Deus.

Não é tarefa fácil, porem, temos a felicidade de pertencer a um rebanho do qual nossos Pastores estão sempre atentos, orientando-nos a respeito dos próximos passos. Desta forma, fica mais fácil prosseguir sem tropeçar em pedras, porem, caso aconteça, temos a certeza que encontraremos mãos estendidas, prontas para ajudar-nos a levantar e prosseguir o caminho que levará a salvação.

Hoje, por exemplo, iniciaremos um estudo, enviado pelo PR. Osmar, no qual entenderemos uma relação controversa e estigmatizada que é a dos Evangélicos e o consumo de Álcool.

O texto é longo e sei bem que nem todos gostam de leitura extensa, por isso vou dividi-lo em algumas partes. Aconselho que “invistam” um pouco de seu tempo nessa leitura por ser esclarecedora e o tema muito presente nos dias atuais.

Boa leitura!

O Evangélico e o Álcool

Consumir álcool, para os crentes brasileiros, é mesmo como um tabu, e até aqueles que são membros de denominações ou grupos cristãos mais liberais em relação ao assunto têm certa preocupação em serem vistos com o copo na mão.

Por Danilo Fernandes

Imagine-se na seguinte situação: depois de uma abençoada reunião de oração e estudo da Palavra de Deus, é hora daquela gostosa comunhão regada a comes e bebes. Ato contínuo, o dono da casa abre uma garrafa de vinho e oferece a bebida aos presentes. Se você acha que se sentiria constrangido e inseguro entre aceitar e ser criticado pelos outros ou recusar e perceber, meio sem graça, que todos provaram da bebida, saiba que não está sozinho. A maioria dos evangélicos já passou por situação semelhante, se não na casa de irmãos na fé, no ambiente de trabalho ou no lazer com amigos. Consumir álcool, para os crentes brasileiros, é mesmo como um tabu, e até aqueles que são membros de denominações ou grupos cristãos mais liberais em relação ao assunto têm certa preocupação em serem vistos com o copo na mão.

O que a maioria dos evangélicos brasileiros desconhece é que esta visão estigmatizada acerca do álcool é coisa muito recente na história da Igreja. Ao longo de quase 2 mil anos de cristandade, prevaleceu a noção de que a bebida, em si, é neutra, uma dádiva do Senhor que traz alegria – sendo o seu consumo excessivo, ou embriaguez, esta sim, pecaminosa. De fato, muitos crentes se escandalizariam ao descobrir que, na galeria dos heróis da fé protestante, homens e mulheres de Deus consumiam bebida alcoólica, e ficariam surpresos por saber que certos segmentos da Igreja, em nome do abstencionismo, alteraram até mesmo um dos ritos mais importantes, ao lado do batismo: a celebração da eucaristia. O detalhe é que o vinho é mencionado reiteradamente nas Escrituras, tanto no sentido literal como por expressão poética. E o produto da uva era parte fundamental da cultura, da religiosidade e da economia do povo hebreu, desde sua origem.

Em relação ao álcool, os cristãos se dividem basicamente em três correntes: os abstêmios, que optam por beber eventualmente, mas não combatem quem pensa diferente; os temperantes – ou moderacionistas, que assumem beber em determinadas circunstâncias e com moderação –; e os proibicionistas, que advogam a condenação total ao ato de beber álcool. Por aí, já se tem uma noção do tamanho do problema. Com ascendência religiosa ligada ao arminianismo das tradições batistas do sul dos Estados Unidos e ao pentecostalismo clássico, o movimento evangélico brasileiro tende historicamente à rejeição total ao álcool, posição que, no entanto, tem tantas motivações culturais quanto espirituais. E a prática evangelística dominante no país, muito pautada na oposição ao catolicismo, faz com que a maioria dos evangélicos brasileiros se surpreenda ao descobrir diferenças culturais marcantes entre eles e os cristãos de outros povos, em especial os europeus. De fato, na Europa, até mesmo os pentecostais não costumam ter qualquer pudor diante de um canecão de vinho ou de uma reluzente tulipa de cerveja.

“Depois de ter vivido em diversos países, tenho percebido que a questão da bebida está mesmo muito ligada à cultura dos missionários que chegaram a cada região”, confirma o bispo Josep Rossello Ferrer, moderador da Igreja Anglicana Reformada no Brasil. No Velho Mundo, os cristãos veem o ato de beber com maior normalidade que os americanos, por exemplo – por isso, muitas práticas na Igreja brasileira de hoje são frutos de ideias religiosas oriundas dos Estados Unidos, o que explica porque as denominações surgidas do esforço missionário americano do século 19 (batistas e presbiterianos, por exemplo), guardem em sua memória a visão abstencionista.

Líder de uma comunidade anglicana em Pindamonhangaba (SP), Ferrer, que é espanhol, observa que sua organização religiosa não tem uma posição oficial sobre o assunto. “Entendemos que a decisão de beber ou não é uma questão de liberdade cristã. Alguns irmãos podem usar álcool sem nenhum problema de consciência, enquanto outros entendem que isso seria pecado”. Por isso, o sacerdote faz questão de não tratar o assunto como dogma. “Não se pode afirmar que a Bíblia condena a bebida. Encontramos nas Escrituras avisos claros contra o estado de embriaguez, que leva à perda do controle dos sentidos, mas não vemos nenhuma restrição ao consumo moderado.”

… Continua no próximo post